Era um vez
Perguntas e inquietações podem ser encontradas nos textos descritos pelo jornalista João Anschau. Era uma vez nos faz refletir sobre o ontem com os olhos comparativos bem presentes no presente.
Foto cedida pelo fotógrafo Jorge Aguiar |
Era uma vez...
Num certo lugar nem tão distante assim, alguns tinham acesso ao básico e outros possuíam bem mais do que necessitavam.
Não era o mundo de Alice, mas bem melhor do que havia sido reservado até então, principalmente, aos desamparados. Os boletos da dívida histórica continuavam sendo pedalados. Ainda faltava muito, mas a lonjura diminuiu centímetros.
Parte significativa do grupo que conseguiu pôr os pés nos primeiros degraus foi contaminado por aqueles que estavam um pouco mais acima na escada. Ambos apresentaram lapsos de memória e não faziam questão de lembrar do ontem cheio de limitações e de raras oportunidades. Aprenderam a consumir, mas apagaram as lembranças de suas origens. Esqueceram também de lutar pela manutenção de direitos e não se importaram quando irmãos ficaram pelo caminho.
Em certo momento, os sempre bem nascidos - outro coletivo, pequeno mas que tem o capital como alimento, o que os transforma em gigantes - intoxicaram as outras duas classes, que, provocadas, fizeram escolhas e elas, mais adiante, mostraram-se equivocadas e mortais. Teimosia não é virtude, nem em contos, nem com as contas.
Quando as três representações resolveram protestar conjuntamente, usaram seus potentes veículos para fazer muito ruído. Exigiram, cobraram e gritaram bem alto que "era hora de dar um basta e acabar com essa zona chamada inclusão". A razão foi torturada e não sabemos a que horas ela volta.
A indignação seletiva pavimentou o caminho para a chegada de homens maus, muitos monstros e com eles o retorno do medo. Os mais assustados voltaram a olhar debaixo de suas camas. Os fantasmas agora estão bem vivos, possuem nomes e números, aparecem nos 3 turnos do dia e não arrastavam mais correntes para melindrar ou chamar a atenção.
Antes excessivamente barulhento, agora há intervalos de silêncio envergonhado gerando passividade, misturado com o choro da perda. Faltam abraços e braços para confortar os que ficam. Mesmo assim, os erros não foram capazes de despertar e o amanhã para milhares é bem mais do que uma dádiva. Divino, apenas a oportunidade de continuar ou (re)começar.
Naquele lugar nem tão distante os homens cruéis venceram. Conseguiram sem muito esforço o aumento quilométrico da distância entre os extremos, as escadas foram tombadas e as tristes paisagens voltaram a fazer parte da vida de todos que optaram por normalizar o extermínio do outro.
... Era uma vez.
Visceral.... excelente !
ResponderExcluirUm texto necessário né Paulo.
ExcluirTocante! Intenso, real.
ResponderExcluir