Sim, eu queria ser o “Magaiver”


Tem uns episódios, na vida de um adolescente, que merecem registro nos alfarrábios, por que se contar ninguém acredita...

A criaturinha era morena, das “crina” preta encaracolada e estava no auge dos seus 13 anos. Tinha laço de fita mimosa na cabeça, brinco de argola em cada orelha... (vai saber, hoje botam brinco, piercing em cada parte do corpo...) Não, não era o Avatar da Carmem Miranda, pelo simples fato de que era a personificação da “viúva Porcina” (hoje em dia eu não me orgulho nem um pouco disso). Todos da Turma 71, do colégio de freiras, não tinham nome, e sim apelido. Tava pendurado na parede em papel pardo, o nome de batismo – dois pontos – apelido.

Não era pros professores, era pro caso de alguém muito distraído, esquecer o próprio nome na hora da chamada. Tipo o Xisele, ou XL (de moto), era bastante comum olhar pro mural pra ver se a “Profe” tava chamando ele. É obvio que não lembro o seu nome, assim como o Chimia (todo mundo nas cidades, onde há descendentes alemães, já teve colegas ou amigos com esse apelido, ou é o próprio, não é verdade?) e muitos outros que ficaram na “desmemória do Galeano”...

Mas onde eu estava? Ah, sim, eu era a Porcina! Porém, de repente, a cabeludinha, de um metro e 50 centímetros de altura, certa vez se encheu de piolhos e não houve operação pente fino que os eliminasse, muito menos as lêndeas enlouquecidas dando cria sem precaução. Nem azeite, nem vinagre, nem Escabin. E o jeito fora cortar o mal pela raíz, ou seja, um belo dia a gente aparece na aula de cabelo curtinho, e um grampinho tic-tac do lado, não sei pra que, vai ver que era pros “fuca”, assim os colegas se referiam a minha população de aracnídeos, treinarem salto em altura. Sim, sofri uma espécie de Bulling, mas ninguém ligava pra isso...

Porém, numa bela tarde ensolarada, eles foram derrotados. Até hoje não sei qual artifício fatal minha mãe utilizou, tamanho foi o extermínio dos indefesos parasitas, uma vez que já estava até acostumada ao coça-coça. O fato é que o paninho de prato, alvejadinho com Quiboa estava tapado de pontinhos pretos, era até “bunito” de ver! Os que ainda ameaçavam levantar-se, pular ou rastejar tontos, coitados, eram imediatamente aniquilados com uma arma poderosíssima que minha mãe carregava sempre com ela (elas na verdade) – as unhas, sempre longas, mantidas diariamente bem afiadas com lixa, para o linchamento imediato de qualquer ser intruso.

E as vítimas eram os piolhos, tinha uns que dava vontade de guardar nos vidrinhos de formol do laboratório de ciência do colégio. Pareciam filhotes de besouro, ou bizorro como a gente chamava. Eram completamente obesos, enormes, assustadores. Não sei como não tive uma hemorragia cerebral, pensava eu, depois de ouvir o tuc, ou tchec, e o sangue se esparramar no paninho...

Bem, estávamos no planeta dos “aborrescentes” da década de 80. E eu curtindo minha “fase de Joana D'ark” da Província (assim eu me referia a minha pacata cidade natal), sendo que, dali pra frente, decidi assassinar a viúva Porcina. Porque a rica menina, agora inventava de ser guri. Ou melhor, o “Magaiver”. Fazia a mãe comprar roupas de guri na sessão masculina. Imagino a vergonha que ela devia ter passado naquele tempo.

Nos meus abrigos de moletom, eu enchia os bolsos de tudo que é porcaria: chiclé de três dias e clips, pro caso de uma eventualidade de risco, um corta-unha enferrujado, uns grampinhos de cabelo, bolita, parafuso, prego, chumbinho... E coisas que nem o autor da série “Profissão Perigo” imaginava que seria possível de transformar numa bomba de "brincar de casinha". Mas que, casualmente um dia estourou, pra nós explodiu, dentro da Patente. E o criaredo só não saiu cheio de bosta, porque a “casinha” tinha tampa, bem feitinha e aseada, feita pelas mãos de marceneiro do meu pai.

Saímos pra fora tudo enfarinhados de Maizena, Royal, Quiboa (a gente desconfiava que esse desinfetante, que hoje chamam inocentemente de água sanitária, era mortal, pois uma vizinha que perdeu o namorado e a “honra” havia tomado com esse intuito, e nunca mais ninguém a viu pelas redondezas), bombinha (aquelas buchinhas de estourar no chão) e outros ingredientes recolhidos das despensas de casa, com muita cautela, para não sermos pegos em flagrante. No entanto, entre mortos de faz de conta e feridos de bicho-de-pé, todos se salvaram...

E viva a Magaiver de Independência (a Província)! Onde o Diabo perdeu as botas, mas um colega de turma afirmava ter encontrado no matinho atrás da escola. Lugar onde só os mais corajosos (entre estes, euzinha) entravam, pois diziam que era mal assombrado.  E porque alguém tem que ser chefe da tribo, "e minha tribo sou eu", leonina, índia macho sim senhor!

E todos pegam suas chinelas havaianas, ou made in China, ou as tais marca diabo, carcomidas na frente ou nos garrão (calcanhar), presas com prego entortado ou com botão... E a gente era criança feliz, no tempo do Bicho Papão!




Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Retrato pra fechar ciclos

Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!