Psicografias de Morfeu


O mal que escorre em nós


Eu me encontro numa parada de ônibus com minha namorada Josi, junto está uma amiga acompanhada de seu pai, um policial militar aposentado. É a segunda vez no dia que nos encontramos ali, logo que saímos de um ônibus, para depois embarcamos para nossas respectivas cidades.

Na chegada não acontece muita coisa, mas no intervalo de tempo em espera para o retorno, muita coisa inesperada ainda está por vir.

Vou com a Josi a um bar onde tomamos uma cerveja artesanal, que ela disse que era fantástica, e bebíamos naqueles copinhos de saquê. Sinto o gosto peculiar da cevada e bebo num gole só. Chego à conclusão que devo parar por ali. Falo isso pra Josi, que ainda tava degustando a bebida demoradamente.

Tiro de dentro da mochila alguns copos de cristal com líquidos pela metade (não sei como isso é possível) com wiski, cachaça, vodka e cerveja... Cada copo com formatos diferentes. Decido jogar o líquido fora e guardar só os copos vazios, também não sei pra quê. 

Também carregava comigo um espelho grande, meio velho, com uma espécie de banner feito de tecido sintético colado sobre ele. Tinha ilustrações e desenhos bonitos e eu estava levando para o ônibus, quando uma pessoa me sugeriu que desgrudasse o tecido do espelho e levasse o pano enrolado. Foi o que fiz...

A Josi tinha gravado um Cd com músicas bacaninhas, a capa com fundo azul celeste, com o rosto dela gravado. Parecia alguns anos mais jovem e mais bonita. Ambas estávamos mais jovens nessa história. 

Fomos até uma favela de uma metrópole qualquer, até o “Beco da Gaúcha”, e na frente de todo mundo ao som do bailinho, eis que eu beijo ela lenta e lascivamente, ao que, me certifico de que ainda sinto algo muito forte por ela. É um beijo ardente, daqueles que incendeia o corpo todo. Um beijo que dá tesão. Um beijo de duas pessoas apaixonadas.

Saímos dali e fomos encontrar uma galera, mas antes nos deparamos com um militar que possuía várias insígnias em sua farda. Sim, ele estava fardado. Soubemos depois que se tratava de um general do alto comando do Exército, chamado Olinto.

Ao nos observar juntas, de mão dadas, trocando carícias, ele fica muito furioso e pergunta o que estamos fazendo ali naquele lugar ermo. Minha parceira responde que isso não é da conta dele e nisso ele parte pra cima de nós, sem dar muitas explicações. Josi revida e tenta golpeá-lo, a briga se torna acirrada, eu tento interferir, fico apavorada e começa a juntar gente ao redor, uns torcendo contra, outros a favor. Nessas horas a gente percebe como existem pessoas homofóbicas no mundo.

Minha namorada estava tentando rendê-lo, quando de repente o general sacou um punhal e cravou no peito dela. Foi uma cena dantesca, que eu nunca mais vou querer viver outra igual. Minha namorada caindo no asfalto quente, aquele sangue escorrendo pela perfuração da arma. 

A turma que torcia para o nosso lado, correu atrás pra tentar agarrar o militar, mas foi impedida por um bando de trogloditas, com todo respeito a essa espécie de seres, por que nem os animais agiriam daquela maneira brutal.

Jorrava junto com aquele sangue o sonho desfeito de uma união de décadas, não apenas essa, mas muitas outras que buscavam na vida a dois, entre pessoas do mesmo sexo, uma forma de libertação, de viver segundo sua própria vontade e sentimento.

E o crime acabou solucionado impunemente, por falta de provas. A lei sempre recai sob o lado mais fraco. E minha Josi foi apenas mais uma morte violenta nas estatísticas. 

Mas fica a reflexão sobre o mal que escorre bem dentro de nós, o mal que salta de nossas entranhas a ponto de não respeitar o gesto de amor entre duas pessoas e agir com tanto ódio e barbárie, que não sei nem de onde vem. Por que tanto ódio meu Deus?  


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