O que será do amanhã?

Pra gente que vive em pequenas cidades do interior, talvez a pandemia de um vírus não seja tão devastadora, ainda. Mesmo assim, ela acaba fazendo uma reviravolta na vida de seus moradores. Pelo menos psicologicamente, todos são atingidos pela onda alarmante de vítimas que causa mundo a fora. Mas, o que irá acontecer num futuro próximo, ou o que ira mudar na vida das pessoas de modo geral, não tem como saber exatamente. Quero acreditar em coisas boas, em aprendizado, em solidariedade e compaixão. Até em novas formas de trabalho, nas mais diversas áreas . Os home - office estão aí pra comprovar que é possível. 

 

Antes de continuar essa narrativa, eu quero dizer que já sou uma sobrevivente das mazelas da vida psíquica. Acho que não sou louca, mas bem normal também não sou. Faço tratamento e sou medicada direitinho.

 

Estou escrevendo, por que quero contribuir para essa nova etapa que iremos viver num futuro próximo e, assim partilhar com o mundo a minha história, para que ela chegue a outros pagos, outras querências.

 

Me expresso dessa forma, por que sou natural do Rio Grande do Sul, e aqui temos um linguajar “gaudério”, um tanto pitoresco da Região onde moro, diferente de outras regiões desse nosso imenso País.

 

A notícia sobre o Coronavírus veio até mim da forma mais comum aos dias de hoje, através das redes sociais da internet, ou seja, pelo mundo da modernidade líquida, como diria Bauman. Um amigo virtual tinha me enviado um vídeo em que apareciam pessoas numa plataforma e em vagões de trens na China, que estavam desfalecendo doentes no chão. Parecia cenas de filme futurista sobre pandemias, onde se mostra o caos das grandes metrópoles com gente morrendo aos montes. Reenviei e comentei sobre a veracidade daquelas imagens, por estarmos num período de avalanches de fake news. Em poucos minutos aquele vídeo já tinha viralizado e as redes sociais estavam abarrotadas de informações sobre a pandemia que havia surgido na China. Até comentei com uma amiga virtual, a Neidoca, que é uma pessoa que eu considero e tem uma inteligência acima da média, que me disse – ou isso é boato, ou então nem vamos nos preocupar, pois vamos morrer todos.

 

Passados meses em que viemos enfrentando uma pandemia, eu já não penso que iremos todos morrer, mas pelo andar da “carroça biônica”, a pandemia já chegou e ainda chegará até os confins desse mundo, atingindo de uma forma ou de outra, toda a população.

 

Num desses confins eu vivo com minha família, dois idosos octogenários, com problemas comuns da idade avançada, que eu não gosto nem de imaginar o que aconteceria se contraíssem a doença do Covid 19.

 

Chegou a aparecer um caso confirmado na cidade, na nossa pacata cidade de Independência, na Região Fronteira Noroeste do Estado. É assintomático e a pessoa está curada, mas minha mãe que precisou fazer uma consulta médica esses dias, disse que o seu médico comentou, que havia mais casos ao menos suspeitos ou em averiguação. Assim como no resto do Estado e País, cada dia os números aumentam, e com eles as medidas de contenção – higienizar bem as mãos com água e sabão, passar álcool-gel, usar a máscara, fazer distanciamento social. Nem todos seguem a orientação dos órgãos de Saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para também ficar em casa o máximo que puder para evitar o contágio direto, caso alguém esteja contaminado e assim evitar a propagação da doença.

 

Mas como estamos em “terras brasilis”, com um presidente que não dá o exemplo (recentemente divulgou que está com “a gripezinha”), e seguidamente aparecia no noticiário em meio a aglomerações, os governadores, com extensão aos municípios, precisam tomar medidas mais severas, para evitar que a pandemia do Coronavírus avance ainda mais no País. Aumentando assim o número de infectados e mortos a cada dia. Números esses, que são as pessoas queridas na vida de alguém. 

 

De que forma tudo isso influencia nossa vida cotidiana e como será o nosso futuro daqui pra frente? São questionamentos que todos os que têm consciência do que está acontecendo no País e no mundo, fazem a si mesmos. Como seremos depois que tudo isso passar? 

 

Perguntas essas, que eu me faço todos os dias, por que cada dia traz uma inquietação diferente, devido às informações que acompanho no noticiário, tanto local e regionalizado, quanto do País e do mundo. 

 

Nunca se esteve tão conectado, tão antenado como agora. Por que uma situação ímpar na história, como essa que estamos vivendo, mexe com nosso inconsciente, transfere para nossas atitudes diárias, embaralha, confunde o pensamento, causa certo temor e insegurança. É quase impossível seguir indiferente aos acontecimentos.

 

Há uma incerteza diante do futuro, tanto do ponto de vista social e econômico, quanto político e até cultural. Pois assim como profetizou Raul Seixas na sua música, estamos vivendo "O dia em que a terra parou", ou os dias, no caso. Por que a atitude para evitar completamente a contaminação por Coronavírus seria somente se ninguém saísse de casa. Se tudo parasse realmente. Mas quem vai tocar o mundo adiante? As máquinas?  Quem vai ficar responsável para que a roda do mundo gire? O proletariado, óbvio. Ou seja, a maioria do povo que está na base da pirâmide social. 

 

Principalmente na nossa "República das Bananas" ou mais propício, das laranjas. Pois temos um país de contrastes, onde a maioria luta pra ter uma vida com mais dignidade, enquanto uma pequena parcela está no topo, usufruindo das riquezas acumuladas com a exploração da maioria do povo trabalhador.

 

Não quero entrar no mérito da discussão política, mas também se omitir a tanta desigualdade, além de me tornar uma pessoa egoísta e desumana, seria como se eu aplaudisse os feitos da casa grande, morando na senzala. O que, aliás, muito ocorre com alguns milhões de brasileiros. 

 

Nunca fiz parte da casa grande e nem almejo fazê- lo, por que só sei viver se for no coletivo e pelo coletivo, quem me conhece sabe que não se trata de demagogia. E embora pense, que as desigualdades sociais, estejam longe de acabar, sempre que pude estive engajada nas lutas de classe. Atualmente com minha ferramenta que é a escrita, como forma de denúncia ou mesmo de conscientização de um povo. Cada um dá o que pode.

 

Mas voltando ao cerne do assunto (essa é velha), eu me pergunto, já que não podemos todos parar por completo, com o bloqueio total, o chamado Lockdown, embora alguns lugares tenha que se adotar o distanciamento social severo, que pelo menos façamos a nossa parte individualmente. E se por um lado estamos tão apertados no bolso, nunca estivemos tão criativos e produtivos intelectualmente. Falo isso no plural por que me incluo nestes, pois pra desacelerar a propagação do novo Coronavírus, com ou sem Lockdown, estamos nos adaptando à situação de pandemia, das mais variadas formas. Aliás, quem melhor se adaptar às condições sobreviverá ao cenário pandêmico. Muitos chamam de se reinventar, se reciclar, emfim, nesse quase processo todo, vamos vivendo como dá. Sobreviver conforme nossas capacidades de adaptação.

 

Falo por mim e por essa gente humana toda, que só sabe viver se tiver buscando conhecimento e principalmente, a partilha dessa busca. Essa gente ligada e interessada na cultura de um povo, na literatura, nas mais diversas expressões artísticas, na música, na fotografia, na pintura, na costura, na própria gastronomia, por que não? E tantos outros afazeres que agregam crescimento e evolução de uma sociedade.

 

Que movimento lindo! É escritor enlouquecido lançando suas obras, muitas delas suas primeiras obras, e partilhando com o mundo dos que estão em casa, também criando, produzindo arte. Praticando a arte da escrita, por que a humanidade carece de leitura. Tem uma fome que não é "só de comida é também de bebida, diversão e arte", que seja um café passado, acompanhado do cheirinho de um livro novinho que acabou de chegar pelo correio. Ou outros tantos disponibilizados nesse fabuloso mundo das virtualidades nem tão descartáveis assim.

 

Que movimento bonito que nos aproxima de escritores conhecidos, de músicos, pintores, artesãos, dançarinos, e tanta gente que faz a riqueza cultural de um país, por que todos estão juntos, fazendo ecos, como diz a escritora Marina Monteiro, a qual eu conheci mesmo que virtualmente, mas que se não fosse num momento de contenção como esse, talvez eu nem tivesse a oportunidade de conhecê-la. Emfim, espalhando suas criações por todos os cantos do planetinha.

 

Pessoas que se adaptam e se recriam para o novo tempo que virá. Costumo dizer que aqueles que já são cheios de bondade terão propagado ainda mais seus laços solidários, mas temo por aqueles que sequer entendem o que está acontecendo no mundo. Temo também pelos como diz o jornalista, publicitário e roteirista, Lelê Telles, as "não pessoas", os invisíveis que vivem à margem da sociedade, os sem casa, que não têm casa pra ficar. O ser vulnerável que nem água potável tem para beber e se lavar com segurança.

 

E de outro modo, como será a vida daqueles que nem vida tem pra viver. Os que sofrem uma angústia uterina no seu universo mental, vocês já pararam pra pensar como os "loucos" estão enfrentando a pandemia? Eu sim, por que me incluo de certa forma a essa classe de gente de "mente inquieta", que também luta pra viver ou morrer de vez. E ninguém pode medir a dor do outro, ainda mais a dor que ninguém vê. Que não é de um membro mutilado, e sim de um cérebro sofrido, devastado.

 

Os depressivos sofrem muito, numa ocasião como essa. Eu já tive crises terríveis de ansiedade, e tive que voltar a tomar uns remédios que tinha parado. Pra que eu pudesse acalmar meus dias de angústia e desassossego. E nisso, lembro do meu pai, o ser mais feliz e ao mesmo tempo triste dessa pandemia.

 

Primeiro, por que agora ele finalmente se sente igual a todo mundo, por que todos precisam usar máscara, e ele que já usava há anos no inverno, não é mais motivo de chacota do povo. Como se ele de fato se importasse com isso. Mas eu me importo, e essa é a parte triste, por ele ser um dos malucos mais popular da cidade. E que há algumas décadas, provocou uma auto-mutilação severa.

 

Na época, diagnosticado acho que com Psicose Maníaco Depressiva, ele não tinha muita consciência do que tinha feito, e sempre atribuiu aquele infortúnio à minha mãe, fruto de uma mania persecutória que lhe acompanha toda vida.

 

Minha mãe, um ser dotado de lucidez, uma fortaleza guerreira, não tem culpa do seu delírio, mas naquele tempo sofrera muito e quase foi execrada pela população, não fosse sua postura correta e firme diante da vida. Deu uma reviravolta e vida que segue até os dias de hoje.

 

A gente faz preces para que não se agrave o quadro de saúde do meu pai, que é aquele sujeito que vive a rezar pela casa, com velas acesas pra todo lado, nos castiçais que ele mesmo produziu, pois tem habilidades para marcenaria.

 

E vamos seguindo, se informando o máximo que podemos, mudando nossa forma de agir, viver e se relacionar.

 

Eu até estou me adaptando bem à situação, com minhas comorbidades mentais, há tempos que evito sair de casa, não tenho vida social e detesto aglomerações, fico sufocada e deprimida, até quando vejo um cão vagando triste pela rua. Fico mais restrita ao ambiente doméstico familiar, cuidando dos meus bichinhos de estimação, a Adele e o Mujica e minha fabulosa gata Espetinho, que já é popular nas redes sociais, mencionada até em lives que participo, por que recentemente deu a luz dois gatinhos lindos.

 
 Falando em lives, certamente o mundo não será mais o mesmo nesse sentido. Eu já não me imagino vivendo sem aquele contato caloroso das lives nossas de casa dia. Seja num "papo de cana", uma conversa fiada sobre tudo que é assunto, seja num "coro da quarentena", uma diversidade de temas e arte em prol de causas sociais. Aquelas lives com informações da área da medicina, da ciência, tão importante e essencial nos dias atuais. As lives da Mídia Ninja e dos Jornalistas livres, enfim um universo repleto de informação e entretenimento.

 

A gente não pode ter a idéia exata de como será "o dia depois de amanhã", por que certamente a natureza irá responder positivamente, como já vem acontecendo com a presença de animais que antes não eram vistos em determinados lugares, tomados comumente por aglomerações humanas.

 

Com menos rios poluídos, menos florestas desmatadas, por que tudo onde tem menos gente, há menos estragos. Menos vandalismo, menos poluição. Digo isso, escrevendo e fumando meu cigarrinho "escondida", nos meus aposentos e pensando que devia parar de fumar. Lembro que uma amiga conta, que seu filho de cinco anos, aponta para os fumantes na rua dizendo – Não fume, por que o cigarro mata, sabia! E eu começo a pensar em parar de fumar, pelo menos a diminuir a fumaceira...

 

E quanta coisa estamos aprendendo, quanta sensibilidade descobrimos que temos. Nós que sentimos demais.

 

Quem não sente não sabe e nem quer saber "como será o amanhã".

 

E o destino, será como Deus quiser? Até para aqueles seres maus e insensíveis, que banalizam a morte? Serão varridos do planetinha por serem aqueles mais descuidados e desleixados do mundo? Poderia ser.

 

Mas de uma coisa sabemos, se estivermos vivos, estaremos mais limpinhos, mais sábios e mais tolerantes uns com os outros. 

 

Também mais gordos, alguns mais magros, por que é natural num momento como esse, chegarmos a extremos. Quero ser positiva, por que se pensar negativamente, a espécie humana será extinta, de uma forma ou de outra, por que como disse aquele grande ator que se matou, o querido Flávio Migliaccio, “a humanidade não deu certo”. Ainda há tempo de darmos certo, de fazer as coisas direito, de nos modificarmos e modificar uns aos outros. Para melhor, para o bem da humanidade. Amém.

 

Comentários

  1. De fato, o texto é um textão.
    Uma abordagem elástica de presente,passado e futuro

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    1. É eu me estendi bastante rsrs, é que acaba fluindo um turbilhão de ideias na cabeça. Da próxima serei mais suscinta.

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  2. Ótimo texto. Mas não acho que as coisas irão mudar para melhor. A maioria dos chamados "humanos", não deu certo e nunca dará!

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    1. Pois é Dudu, eu tava numa fase otimista, mas na verdade não creio muito numa mudança de modo geral, para melhor...

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