Saulo Florentino e Um marginal que voou baixo demais
O Retratos da Alma dessa semana, na sua
pauta de matérias literárias, traz uma entrevista maneiríssima e sem filtro com o poeta Saulo
Florentino, conhecido nas redes sociais pelo seu livro – “Um marginal que voou baixo demais” e também – “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. Na edição de hoje
vamos discorrer mesmo sobre o primeiro, que é o que a Bitenca aqui pôde ler e
lhes asseguro, é muito bom. Cosa fina minha gente! O cara é foda! Aliás, todo
aquele que consegue transpor os sabores e dissabores da vida em prosa e verso,
merece ser reverenciado, no mínimo, ser respeitado. E Saulo Florentino, é como
dizemos aqui no Rio Grande do Sul, um ser de fundamento.
Na entrevista você vai poder acompanhar, dicas importantes desse
escritor para quem quer ou está se lançando no desafiador universo/mercado
literário.
De onde vem a inspiração para escrever o Marginal que voou baixo demais,
como se deu o processo criativo?
S. F. O Marginal nasceu do esforço em estar vivo no meio do buraco negro, das ruas que serviram de salvação para a loucura da rotina com algumas doses de loucura imprevisível. Ele foi escrito durante um período bastante conturbado da minha vida, que durou cerca de quatro anos. A ideia inicial não era escrever um livro e sim não morrer engolindo os sopros dos outros. Por isso soprei minhas coisas em páginas em branco, que muitas vezes, nem lembrava de ter escrito.
Quando me dei conta, havia escrito tanto que reuni material para quase três livros e foi isso que aconteceu.
O
processo criativo foi viver da forma que me cabia naquele momento e sentar em
algum lugar para escrever quase que involuntariamente. Sem muitos mistérios,
epifanias e milagres embrulhados para presente. Apenas escrevi.
R.A. Você acha que a poesia deve ser
entendida, interpretada ou mais sentida mesmo nas mais variadas formas?
S. F. A poesia tem que ser sincera igual um
soco na cara e a maneira que as pessoas recebem os socos que eu acerto não me
preocupa muito. Mas se tivesse que escolher, prefiro que elas sintam primeiro,
interpretem depois da maneira que quiserem e que não entendam nunca ou quase
nunca.
R.A. Eu notei algo de muito urbano, muito
selva de pedra na sua poesia, tipo aquela que diz que seus poemas viraram cult –"o milagre do poeta
vagabundo diziam os noticiários" aquele poema me reporta ao Saulo
Florentino, estou meio certa ou completamente equivocada?
S. F. Se reporta ao meu alter ego Akila Pientznauer. Nome cuja origem se dá de um persona
que fingi ser, durante um carnaval muito incompreensível numa cidade litorânea
do Rio de Janeiro, mas que não deixa de ser eu também. É tudo muito urbano,
pois minha vida é muito urbana e esfumaçada, infelizmente (ou felizmente?).
Esse poema é uma grande mentira, pois eu amaria que meus textos fizessem fama o
suficiente para que eu vivesse exclusivamente deles. Enquanto não fazem, eu
finjo que não me importo com isso.
R.A. Alguém já lhe disse que sua poesia faz
lembrar Charles Bukowski? E já aproveito pra perguntar, quais escritores/poetas
te inspiram ou que mais aprecia?
S. F. Sim, já me falaram muito isso inclusive.
Em comum temos a sede e os temas. Ele era bem mais esforçado do que eu. Na
época do marginal, havia lido livros desse velho sensacional e foi uma grande
influência.
Os
que me inspiram e inspiraram, entre o Charles Bukowski estão:
- Douglas Adams;
- Rimbaud;
- Baudelaire;
- Hemingway;
-
J. R. R. Tolien;
-
Augusto dos Anjos;
-
Hilda Hilst;
-
Ferreira Gullar;
E
tantos outros.
R.A.Você acha que os poetas, os escritores
são mais reconhecidos depois da morte do que em vida? Ou é possível viver da
poesia. Viver da sua arte, no caso da literatura?
S. F. Não conheço muitos que conseguem viver
apenas da própria poesia, talvez não conheça nenhum na verdade e muitos não vão
ficar conhecidos nem depois da morte, o que é algo muito desanimador. Mas
ninguém escreve pra isso, a maioria escreve pra estar vivo ou para se manter
vivo. Se é possível ainda não sei, deve ser para alguns por aí escolhidos a
dedo, dedo esse que ainda não apontou pra mim, ou sequer considerou a
possibilidade.
R.A. Fala um pouco dessa interação com o teu
público, com o leitor... As redes sociais ajudam nessa aproximação de fato?
Principalmente agora nesse momento de pandemia/quarentenas que estamos
vivendo?
S. F. Não só ajuda, como é o único tipo de
interação que eu tenho com quem lê o meu trabalho, fora isso, só se alguém me
encontrar num bar e quiser trocar ideia sobre minhas coisas, o que é muito
raro, pois geralmente estou mais preocupado em beber do que falar sobre mim e
as pessoas também.
Respondo
todo mundo que me manda mensagem sobre qualquer assunto que seja quando me
lembro. O problema nisso tudo é que algumas me procuram esperando que eu seja
uma pessoa super interessante, incrível, detentor de todas as respostas
universais e mundanas e quando vêem que não passo de uma pessoa completamente
normal, desinteressante, vivendo sua vida aos trancos e barrancos e buscando as
mesmas respostas, elas se decepcionam um pouco, eu não ligo, mas parece
que algumas delas sim.
R.A. Tu achas que as editoras
fazem bem esse trabalho de divulgação das obras literárias? (Tipo, é o poeta
que faz o nome da editora, ou a editora que faz o nome do poeta?) Ou ainda:
existe essa questão de apadrinhamento pra se lançar no mercado editorial?
S. F. Essa é uma pergunta um tanto complexa,
há muitas editoras que estão apenas no mercado para enfiar o dedo no cu dos
autores e lhe sugarem até o último centavo, sem oferecer muita coisa em troca,
além de um livro mal diagramado, mal revisado e com uma divulgação nula.
O maior trabalho do escritor que está tentando lançar sua obra, não é escrever o livro e sim vender o seu livro, sua imagem e todo o resto. Você precisa virar um produto e isso é uma merda, pois a gente só que escrever e só isso não basta, nem de perto.
Óbvio
que há muitas editoras no mercado que ajudam e auxiliam e muito seus autores e
autoras iniciantes como a Editora Madrepérola (que é minha atual editora),
Editora Patuá entre outras, mas é preciso muito cuidado, há um monte de abutres
querendo se alimentar da carniça dos desesperados. Não só editoras, mas
supostas agencias literárias também. De golpistas o mundo está cheio e já levei
algumas rasteiras destas supostas agências literárias que me levaram ao fundo
do poço e de lá quase não consigo sair.
Portanto,
muito cuidado autores e autoras.
R.A. Quando nasceu a poesia de Saulo
Florentino? E qual tua formação/ profissão? Você tentou vários ofícios?
S. F. Minha vida é um caos que ainda tento
compreender, pois acredito que a bagunça é só uma forma de organização mal
compreendida. Me formei no Ensino Médio Técnico em Informática, fiz faculdade
de Tecnólogo em Petróleo e Gás, mas nunca trabalhei na área. Já tive uma loja
de informática e recarga de cartuchos de impressoras num lugar muito charmoso
aqui do RJ, chamado Alcântara. Tudo que há de mais estranho, caótico e
improvável acontece nesse lugar, foi uma experiência pitoresca.
Os
vizinhos do meu estabelecimento eram uma loja de macumba, cujos donos e
funcionários eram pessoas maravilhosas, e uma loja de artigos para cozinha, os
donos e funcionários dessa loja não eram tão agradáveis assim. Acho que foi
mais ou menos nesse período que comecei a fumar pra valer.
Meu
ganha pão mais constante é com Produção Cultural, elaboração de projetos e
eventos culturais.
Atualmente
trabalho com isso numa casa de cultura pertencente ao Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
R.A. Desse livro há algum poema, ou alguns
poemas prediletos teus? Eu já tenho os meus - os que falam mal da
segunda-feira; O milagre da última e derradeira dose, A culpa é das cuecas...
S. F. Não há nenhum predileto, mas os que mais
lembro de ter escrito são:
-
Quem é você?;
-
Clima Natalino;
-
Bolsa de Madame;
-
Segunda Feira.
R.A. Dá pra cutucar, escavar, espremer a
poesia até sair a última gota? Ou deixa a poesia fluir serenamente?
S. F. Antigamente eu apenas sentava e
escrevia, o problema era parar em algum momento e sentar para escrever. Hoje em
dia me obrigo a escrever diariamente. Dá pra escavar e espremer, a poesia está
lá, sempre está lá em algum canto da sua mente. Pode ser que ela saia uma
merda, pode ser que ela saia maravilhosa, pois você se esforçou para parir
aquele texto, a parada é escrever e saber discernir o bom do ruim, coisa que eu
não sei fazer na maioria das vezes, ou demora muito pra que eu perceba.
Quando
flui serenamente é sempre melhor, mas pode acontecer a mesma coisa, nem tudo
que sai naturalmente de nós é a melhor coisa do mundo. A gente caga e mija por
pura necessidade fisiológica também.
R.A. Tu acha que é difícil
para principalmente os poetas, lançarem suas primeiras obras. Tu terias alguma
orientação nesse sentido?
S. F. Muito difícil, até pelos motivos que
explanei anteriormente, mas se você acredita na sua escrita vai pra
guerra preparado pra perder muitas batalhas. Não tenha medo de rejeições, serão
muitas jogadas na sua cara besta de “ESCREVI UM LIVRO”.
Tenha
consciência de que seu livro é como se fosse seu filho, ele tem suas
peculiaridades inerentes a qualquer obra e não é todo mundo que vai entendê-lo.
Se você realmente quer que ele veja a luz do dia, terá que batalhar por isso e
essa guerra é injusta e suja.
Te
desejo boa sorte, pois irá precisar.
R.A. "Aqui não há lugar para poetas e escritores,
amigo vá embora!" Você acha que o poeta precisa sofrer e passar
necessidades pra produzir boas obras?
Os "filhos de papai" (e agora me lembrei não sei por quê de Rimbaud)
também podem escrever bons poemas?
S. F. O sofrimento trás reflexões, o fundo do
poço trás uma certa serenidade melancólica pra um mundo em desalento e cheio de
cores, mas há poesia em tudo e em todos.
Todo
ser humano que vive, já viveu e viverá nessa pequena e insignificante parcela
de universo tem arte correndo nas veias, basta botar pra fora, independente de
sofrimento, classe social, gênero ou qualquer coisa.
E
os “filhos de papai” também sofrem, alguns até mais “profundamente” que outros
que estão mais preocupados em sobreviver do que refletir sobre a existência
humana.
Posso
estar errado, o que não seria tão estranho assim.
R.A. Por que será que escrevemos melhor se
formos "ébrios demais, instáveis demais, suicidas, loucos, violentos... Só
há poesia na insanidade? ( Peguei do poema "Eu desisto", que também
gostei...)
S. F. Não sei se escrevemos melhor sob efeito
de “aditivos”, é só uma forma diferente de escrever. A poesia pula pra fora e
não aceita ordens de ninguém quando estamos com a psique alterada. Há pura
desordem, mas se você souber organizar sua bagunça, pode ser que nasça algo
belo e transcendente que seu subconsciente fez o favor de ajudar a fabricar.
R.A. É possível dizer quem é Saulo Florentinho?
(aquela perguntinha do quem é você, que tanto intriga a gente...
S. F. A melhor resposta pra essa pergunta é
ler o meus livros, fora isso não há nada de muito interessante a acrescentar.
Só um cara que escreve algumas coisas sem filtro e tentando viver enquanto
sobrevive, igual todo mundo.
R.A. Queria que tu explorasse essa
interação que agora ta acontecendo bastante, com lives, por exemplo, e o povo
parando mais pra ler um bom livro, ver um bom filme...
S. F. Todos trancados em casa, o que todos
esperariam de um escritor era que ele fizesse uma live literária. Eu resolvi fazer uma live “de bar” pra falar
sobre tudo. Na minha cabeça um bate papo descontraído é literatura também e já
vamos pro terceiro mês dessa live maluca chamada “Papo de Cana”. Ainda penso em
fazer uma voltada só pra literatura e pros meus trabalhos, mas eu não gosto
muito de aparecer “em público” e ficar dissertando sobre mim e sobre minhas
coisas, prefiro que as pessoas leiam os meus livros.
R.A. Fique a vontade pra
falar do outro livro – A diferença entre o remédio e o veneno é a dose, que
também quero ler.
S. F. Vou deixar aqui uma pequena descrição
introdutória do “A Diferença entre o remédio e o veneno é a dose”:
“Este
é um livro de poesias não convencionais e entorpecidas sobre as facetas do
amor. Suas quedas, reviravoltas, purezas e toxicidades . É bagunça, é o caos, é
o amor em queda livre e em suspensão etérea.
Em
cada esquina desse país há um bar, uma igreja e pessoas que amam umas às outras
e lidam com as consequências de toda essa bagunça.
O
amor pode ser um soco no estômago, uma dose bêbada de paraíso ou um pouco de
cada.
Receba
todos os socos e beba todas as doses contidas nestas páginas.”
Mais uma matéria rica . Parabéns!
ResponderExcluirObrigada querido, é o prazer de escrever e conhecer tanta história bacana!
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