Saulo Florentino e Um marginal que voou baixo demais

 Dicas importantes do escritor para quem quer se lançar no meio literário


 

O Retratos da Alma dessa semana, na sua pauta de matérias literárias, traz uma entrevista maneiríssima e sem filtro com o poeta Saulo Florentino, conhecido nas redes sociais pelo seu livro – “Um marginal que voou baixo demais” e também – “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. Na edição de hoje vamos discorrer mesmo sobre o primeiro, que é o que a Bitenca aqui pôde  ler e lhes asseguro, é muito bom. Cosa fina minha gente! O cara é foda! Aliás, todo aquele que consegue transpor os sabores e dissabores da vida em prosa e verso, merece ser reverenciado, no mínimo, ser respeitado. E Saulo Florentino, é como dizemos aqui no Rio Grande do Sul, um ser de fundamento.

Na entrevista você vai poder acompanhar, dicas importantes desse escritor para quem quer ou está se lançando no desafiador universo/mercado literário.

 Como o conheci? Da maneira mais divertida, se é que se pode falar assim, de um período tão turbulento como esse que estamos vivendo de pandemia, mas o fato é que foi através de uma descontraída live do escritor, chamada “O papo de cana”. Sim, justamente eu que parei de lidar com os etílicos! Acontece pelo Instagram, todas as sextas-feiras, a partir das 21 horas por aí, e vai até onde houver sobriedade e assuntos variados pra se debater com uma galera super animada.

 Agora chega de trê, lê, lê e borá curtir junto, assim também como eu curti muito, a entrevista reveladora desse super poeta.

 

 R.A. O livro já inicia com uma espécie de alerta para o leitor, dizendo que ali ele não vai encontrar um livro de poemas de amor, nem de poesias métricas e rimas finas, que o amor está em outro livro, pois neste não há vagas... 

De onde vem a inspiração para escrever o Marginal que voou baixo demais, como se deu o processo criativo?

 

S. F. O Marginal nasceu do esforço em estar vivo no meio do buraco negro, das ruas que serviram de salvação para a loucura da rotina com algumas doses de loucura imprevisível. Ele foi escrito durante um período bastante conturbado da minha vida, que durou cerca de quatro anos. A ideia inicial não era escrever um livro e sim não morrer engolindo os sopros dos outros. Por isso soprei minhas coisas em páginas em branco, que muitas vezes, nem lembrava de ter escrito. 

 

Quando me dei conta, havia escrito tanto que reuni material para quase três livros e foi isso que aconteceu. 

 

O processo criativo foi viver da forma que me cabia naquele momento e sentar em algum lugar para escrever quase que involuntariamente. Sem muitos mistérios, epifanias e milagres embrulhados para presente. Apenas escrevi.

 

R.A. Você acha que a poesia deve ser entendida, interpretada ou mais sentida mesmo nas mais variadas formas?

 

S. F. A poesia tem que ser sincera igual um soco na cara e a maneira que as pessoas recebem os socos que eu acerto não me preocupa muito. Mas se tivesse que escolher, prefiro que elas sintam primeiro, interpretem depois da maneira que quiserem e que não entendam nunca ou quase nunca.

 

R.A. Eu notei algo de muito urbano, muito selva de pedra na sua poesia, tipo aquela que diz que seus poemas viraram cult –"o milagre do poeta vagabundo diziam os noticiários" aquele poema me reporta ao Saulo Florentino, estou meio certa ou completamente equivocada?

 

S. F. Se reporta ao meu alter ego Akila Pientznauer. Nome cuja origem se dá de um persona que fingi ser, durante um carnaval muito incompreensível numa cidade litorânea do Rio de Janeiro, mas que não deixa de ser eu também. É tudo muito urbano, pois minha vida é muito urbana e esfumaçada, infelizmente (ou felizmente?). Esse poema é uma grande mentira, pois eu amaria que meus textos fizessem fama o suficiente para que eu vivesse exclusivamente deles. Enquanto não fazem, eu finjo que não me importo com isso.

 

R.A. Alguém já lhe disse que sua poesia faz lembrar Charles Bukowski? E já aproveito pra perguntar, quais escritores/poetas te inspiram ou que mais aprecia?

 

S. F. Sim, já me falaram muito isso inclusive. Em comum temos a sede e os temas. Ele era bem mais esforçado do que eu. Na época do marginal, havia lido livros desse velho sensacional e foi uma grande influência.

 

Os que me inspiram e inspiraram, entre o Charles Bukowski estão:

- Douglas Adams;

- Rimbaud;

- Baudelaire;

- Hemingway;

- J. R. R. Tolien;

- Augusto dos Anjos;

- Hilda Hilst;

- Ferreira Gullar;

E tantos outros.

 

R.A.Você acha que os poetas, os escritores são mais reconhecidos depois da morte do que em vida? Ou é possível viver da poesia. Viver da sua arte, no caso da literatura? 

 

S. F. Não conheço muitos que conseguem viver apenas da própria poesia, talvez não conheça nenhum na verdade e muitos não vão ficar conhecidos nem depois da morte, o que é algo muito desanimador. Mas ninguém escreve pra isso, a maioria escreve pra estar vivo ou para se manter vivo. Se é possível ainda não sei, deve ser para alguns por aí escolhidos a dedo, dedo esse que ainda não apontou pra mim, ou sequer considerou a possibilidade. 

 

R.A. Fala um pouco dessa interação com o teu público, com o leitor... As redes sociais ajudam nessa aproximação de fato? Principalmente agora nesse momento de pandemia/quarentenas que estamos vivendo? 

 

S. F. Não só ajuda, como é o único tipo de interação que eu tenho com quem lê o meu trabalho, fora isso, só se alguém me encontrar num bar e quiser trocar ideia sobre minhas coisas, o que é muito raro, pois geralmente estou mais preocupado em beber do que falar sobre mim e as pessoas também.

 

Respondo todo mundo que me manda mensagem sobre qualquer assunto que seja quando me lembro. O problema nisso tudo é que algumas me procuram esperando que eu seja uma pessoa super interessante, incrível, detentor de todas as respostas universais e mundanas e quando vêem que não passo de uma pessoa completamente normal, desinteressante, vivendo sua vida aos trancos e barrancos e buscando as mesmas respostas, elas se decepcionam um pouco, eu não ligo, mas parece que  algumas delas sim. 

 

R.A. Tu achas que as editoras fazem bem esse trabalho de divulgação das obras literárias? (Tipo, é o poeta que faz o nome da editora, ou a editora que faz o nome do poeta?) Ou ainda: existe essa questão de apadrinhamento pra se lançar no mercado editorial?

 

S. F. Essa é uma pergunta um tanto complexa, há muitas editoras que estão apenas no mercado para enfiar o dedo no cu dos autores e lhe sugarem até o último centavo, sem oferecer muita coisa em troca, além de um livro mal diagramado, mal revisado e com uma divulgação nula. 

 

O maior trabalho do escritor que está tentando lançar sua obra, não é escrever o livro e sim vender o seu livro, sua imagem e todo o resto. Você precisa virar um produto e isso é uma merda, pois a gente só que escrever e só isso não basta, nem de perto.

Óbvio que há muitas editoras no mercado que ajudam e auxiliam e muito seus autores e autoras iniciantes como a Editora Madrepérola (que é minha atual editora), Editora Patuá entre outras, mas é preciso muito cuidado, há um monte de abutres querendo se alimentar da carniça dos desesperados. Não só editoras, mas supostas agencias literárias também. De golpistas o mundo está cheio e já levei algumas rasteiras destas supostas agências literárias que me levaram ao fundo do poço e de lá quase não consigo sair.

 

Portanto, muito cuidado autores e autoras.

 

R.A. Quando nasceu a poesia de Saulo Florentino? E qual tua formação/ profissão? Você tentou vários ofícios?

 

S. F. Minha vida é um caos que ainda tento compreender, pois acredito que a bagunça é só uma forma de organização mal compreendida. Me formei no Ensino Médio Técnico em Informática, fiz faculdade de Tecnólogo em Petróleo e Gás, mas nunca trabalhei na área. Já tive uma loja de informática e recarga de cartuchos de impressoras num lugar muito charmoso aqui do RJ, chamado Alcântara. Tudo que há de mais estranho, caótico e improvável acontece nesse lugar, foi uma experiência pitoresca.

 

Os vizinhos do meu estabelecimento eram uma loja de macumba, cujos donos e funcionários eram pessoas maravilhosas, e uma loja de artigos para cozinha, os donos e funcionários dessa loja não eram tão agradáveis assim. Acho que foi mais ou menos nesse período que comecei a fumar pra valer.

 

Meu ganha pão mais constante é com Produção Cultural, elaboração de projetos e eventos culturais.

 

Atualmente trabalho com isso numa casa de cultura pertencente ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

 

R.A. Desse livro há algum poema, ou alguns poemas prediletos teus? Eu já tenho os meus - os que falam mal da segunda-feira; O milagre da última e derradeira dose, A culpa é das cuecas...

 

S. F. Não há nenhum predileto, mas os que mais lembro de ter escrito são:

 

- Quem é você?;

- Clima Natalino;

- Bolsa de Madame;

- Segunda Feira.

 

R.A. Dá pra cutucar, escavar, espremer a poesia até sair a última gota? Ou deixa a poesia fluir serenamente?

 

S. F. Antigamente eu apenas sentava e escrevia, o problema era parar em algum momento e sentar para escrever. Hoje em dia me obrigo a escrever diariamente. Dá pra escavar e espremer, a poesia está lá, sempre está lá em algum canto da sua mente. Pode ser que ela saia uma merda, pode ser que ela saia maravilhosa, pois você se esforçou para parir aquele texto, a parada é escrever e saber discernir o bom do ruim, coisa que eu não sei fazer na maioria das vezes, ou demora muito pra que eu perceba.

 

Quando flui serenamente é sempre melhor, mas pode acontecer a mesma coisa, nem tudo que sai naturalmente de nós é a melhor coisa do mundo. A gente caga e mija por pura necessidade fisiológica também.

 

R.A. Tu acha que é difícil para principalmente os poetas, lançarem suas primeiras obras. Tu terias alguma orientação nesse sentido?

 

S. F. Muito difícil, até pelos motivos que explanei anteriormente, mas se você acredita na sua escrita vai pra guerra preparado pra perder muitas batalhas. Não tenha medo de rejeições, serão muitas jogadas na sua cara besta de “ESCREVI UM LIVRO”. 

 

Tenha consciência de que seu livro é como se fosse seu filho, ele tem suas peculiaridades inerentes a qualquer obra e não é todo mundo que vai entendê-lo. Se você realmente quer que ele veja a luz do dia, terá que batalhar por isso e essa guerra é injusta e suja. 

 

Te desejo boa sorte, pois irá precisar.

 

R.A. "Aqui não há lugar para poetas e escritores, amigo vá embora!" Você acha que o poeta precisa sofrer e passar necessidades pra produzir boas obras? 

Os "filhos de papai" (e agora me lembrei não sei por quê de Rimbaud) também podem escrever bons poemas?

 

S. F. O sofrimento trás reflexões, o fundo do poço trás uma certa serenidade melancólica pra um mundo em desalento e cheio de cores, mas há poesia em tudo e em todos.

 

Todo ser humano que vive, já viveu e viverá nessa pequena e insignificante parcela de universo tem arte correndo nas veias, basta botar pra fora, independente de sofrimento, classe social, gênero ou qualquer coisa.

 

E os “filhos de papai” também sofrem, alguns até mais “profundamente” que outros que estão mais preocupados em sobreviver do que refletir sobre a existência humana.

 

Posso estar errado, o que não seria tão estranho assim.

 

R.A. Por que será que escrevemos melhor se formos "ébrios demais, instáveis demais, suicidas, loucos, violentos... Só há poesia na insanidade? ( Peguei do poema "Eu desisto", que também gostei...)

 

S. F. Não sei se escrevemos melhor sob efeito de “aditivos”, é só uma forma diferente de escrever. A poesia pula pra fora e não aceita ordens de ninguém quando estamos com a psique alterada. Há pura desordem, mas se você souber organizar sua bagunça, pode ser que nasça algo belo e transcendente que seu subconsciente fez o favor de ajudar a fabricar.

 

R.A. É possível dizer quem é Saulo Florentinho? (aquela  perguntinha do quem é você, que tanto intriga a gente...

 

S. F. A melhor resposta pra essa pergunta é ler o meus livros, fora isso não há nada de muito interessante a acrescentar. Só um cara que escreve algumas coisas sem filtro e tentando viver enquanto sobrevive, igual todo mundo.

 

R.A. Queria que tu explorasse essa interação que agora ta acontecendo bastante, com lives, por exemplo, e o povo parando mais pra ler um bom livro, ver um bom filme...

 

S. F. Todos trancados em casa, o que todos esperariam de um escritor era que ele fizesse uma live literária.  Eu resolvi fazer uma live “de bar” pra falar sobre tudo. Na minha cabeça um bate papo descontraído é literatura também e já vamos pro terceiro mês dessa live maluca chamada “Papo de Cana”. Ainda penso em fazer uma voltada só pra literatura e pros meus trabalhos, mas eu não gosto muito de aparecer “em público” e ficar dissertando sobre mim e sobre minhas coisas, prefiro que as pessoas leiam os meus livros.

 

R.A. Fique a vontade pra falar do outro livro – A diferença entre o remédio e o veneno é a dose, que também quero ler.

 

S. F. Vou deixar aqui uma pequena descrição introdutória do “A Diferença entre o remédio e o veneno é a dose”:

 

“Este é um livro de poesias não convencionais e entorpecidas sobre as facetas do amor. Suas quedas, reviravoltas, purezas e toxicidades . É bagunça, é o caos, é o amor em queda livre e em suspensão etérea.

 

Em cada esquina desse país há um bar, uma igreja e pessoas que amam umas às outras e lidam com as consequências de toda essa bagunça.

 

O amor pode ser um soco no estômago, uma dose bêbada de paraíso ou um pouco de cada.

 

Receba todos os socos e beba todas as doses contidas nestas páginas.”








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